"Pensei que era moleza mas foi pura ilusão
Conhecer o mundo inteiro sem gastar nenhum tostão"
(Melô do Marinheiro - Os Paralamas do Sucesso)
Esse blog é dedicado a todos que voam, que já voaram e que sonham em voar!





sábado, 1 de setembro de 2012

A primeira mala a gente nunca esquece...

Essa foi a minha primeira mala de tripulante. Na verdade eram duas, uma maior que a gente levava em voos internacionais e ia no porão do avião e uma menor que ia conosco na cabine.

Lembro bem do dia em que eu as "conquistei". Naquela época (1985) não existiam escolas de formação de comissários. A empresa que nos contratava fornecia todo o treinamento, que fazíamos com a carteira já assinada como aluno-comissário, ganhando um salário que era uma ajuda de custo (no meu caso 1 salário mínimo vigente), e com a condição de que na primeira pisada de bola seríamos desligados sumariamente.

O curso teve duração de 3 meses, das 8 da manhã às 5 da tarde, de segunda a sexta sob fiscalização de dar inveja à Gestapo. Qualquer vacilo era motivo para uma advertência: chegar atrasado, estar sem batom, cabelos desarrumados, barba por fazer, falar alto nos intervalos ou qualquer comportamento considerado inadequado para a postura de um futuro comissário. Chegar atrasado então equivalia a uma sentença de morte! Na segunda reincidência não tinha perdão!

 Também não escapamos da famigerada prova para obter a licença de voo. A única diferença é que naquela época a banca não era ANAC, ainda era DAC (Departamento de Aviação Civil). A prova era múltipla escolha, com direito a Coronel do DAC devidamente paramentado sentado na mesa, instrutores fazendo papel de fiscal e muito nervosismo. O nervosismo era por saber que quem não passasse na prova seria automaticamente desligado do curso e da empresa. Ou seja: ou você passava ou era Rá, Ré, Ri, Ró, Rua!!!

Depois de uma semana de noites mal dormidas e muita ansiedade (na época não tinha essa moleza de resultado on-line não!), recebemos a notícia de que toda a turma havia passado. Foi uma alegria geral!

A prova aconteceu mais ou menos na metade do curso. Depois da aprovação, éramos oficialmente comissários. O próximo passo para nos sentirmos assim por completo era pegar o uniforme. Devo dizer que a entrega do uniforme tinha para nós muito mais importância do que a aprovação na banca do DAC. Era um sonho realizado. Sentir o gostinho de literalmente "vestir a camisa" da empresa era tudo de bom!

Todos os dias durante uma determinada semana era chamado um grupo de uns cinco ou seis alunos para ir ao setor de uniformes experimentar as roupas e pegar todas as peças. A chamada era por ordem alfabética, e eu com nome começado com L já estava em cólicas para chegar a minha vez.

Finalmente chegou o dia. Lá fui eu experimentar saia, blazer, collants, etc. Peguei dois conjuntos de saia e blazer, vários collants de cores diferentes, lenço, sapato, sapatilha, manteau para usar no inverno, cardigan para usar  por cima do jumper, espécie de vestido que usávamos a bordo para servir, meias finas, a asinha dourada com a figura de Icaro que era nosso distintivo, bolsa e as duas malas. Saí de lá com as malas abarrotadas.

Eram de madeira pintadas de azul com o símbolo Varig. Por dentro eram forradas de cetim azul. Não tinha carrinho embutido como as malas mais modernas. Até para a época elas já estavam meio demodé.  Eram pesadas, mas muito mais resistente do que as malas de hoje. Aguentavam qualquer parada!

Não me cansava de olhar para as minhas malas! De vez em quando abria e ficava olhando as roupas do uniforme, me imaginando já vestida e trabalhando.

Com o tempo percebi que o a parte interna de cetim do tampo da mala era usado para pregar fotos da família, adesivos que ganhávamos, pins e bottons, imagens, amuletos ou qualquer coisa que pudesse nos fazer companhia quando estávamos sozinhos nos hotéis de pernoite. Era nossa personalização, nossa referência, nossa segunda casa.

Apesar de ser proibido, também colávamos adesivos na parte externa das malas. Não só para dar nossa personalidade a ela, mas também para facilitar sua localização num mar de malas de tripulantes. Se algum intrutor falava alguma coisa, a gente retirava os adesivos externos por algum tempo e depois colava outros.
Tenho até hoje as duas. Apesar de ser obrigatória a devolução quando íamos pegar novas peças, muitos de nós não devolviam, alegando que iam trazer depois.

Não me arrependo nem um pouco. As duas malas grandes (consegui ficar com duas!) hoje guardam enfeites de Natal e outras tranqueiras. A pequena guarda revistas antigas, e está com os mesmos enfeites no tampo da época em que ela era minha companheira de viagens. Olhar para ela já é uma viagem!

Daqui a alguns anos devem estar valendo um dinheirinho por ser antiguidade. Mas eu não vendo por nada. Para mim elas não tem preço!

Se minha mala falasse teria muitas histórias para contar...