Também conhecidos como Chefe de Cabine, Comissário Chefe ou Lider, dependendo da empresa, esse profissional atua como gerente da tripulação de comissários, ganha uma gratificação pelo cargo e fica responsável por resolver pepinos e descascar abacaxis.
Passageiro está reclamando de alguma coisa? Chama o Chefe! Um dos comissários está trabalhando mal? Fala com o Chefe! Passageiro teve um piripaco e está estendido no chão? Avisa ao Chefe! Comandante vai dar esporro? Quem escuta é o chefe! Comissário ficou doente no hotel, sofreu um acidente durante o pernoite, foi preso? É com o Chefe!
Naquela época a empresa estava contratando bastante, e como em aviação antiguidade é posto, as promoções aconteciam precocemente. Com apenas um ano de voo, nem eu nem meus colegas de turma estávamos preparados psicologicamente para assumir esta responsabilidade. Mas, como nada nos foi perguntado, simplesmente quando fomos pegar a escala de voo descobrimos que tínhamos mudado de função... O jeito foi entubar.
E para completar (nada é tão ruim que não possa ficar pior...), eu e outros colegas tivemos que acumular a função de Chefe de Equipe com a de instrutor! Colocaram uma comissária recém formada para voar fixa comigo! Sem contar que, com a promoção, eu passei de comissária "antigona" a chefe "novinha", isto é, estava de novo no rabo da fila!
Por isso que eu me encontrava fazendo reserva no Galeão no dia primeiro de Janeiro de 1987. Entre os voos que eu cobria, estava o voo 797, com destino a Abidjan na Costa do Marfim.
Quando entramos para trabalhar numa empresa que também faz voos internacionais, começamos fazendo voos domésticos e só depois de um tempo é que passamos para os voos internacionais. Voos para a América do Sul são considerados internacionais regionais e são operados pelos mesmos equipamentos que fazem voos domésticos. Os voos para o continente africano também eram com os mesmos equipamentos. por isso, mesmo não sendo comissários "internacionais" nós fazíamos essas rotas.
Nunca tinha estado em Abidjan. Curiosa que sempre fui, queria fazer um voo desses para entre outras coisas comprar pulseiras e colares de marfim.
Mas a tripulação titular foi chegando aos poucos. Faltou um comissário auxiliar e acionaram uma novinha. Poucos meses de voo. Dezoito anos. Deixou a família na Bahia e veio atrás do sonho de voar. Ela ficou felicíssima!
Faltava chegar um Chefe de Equipe, nesse voo eram dois. Eu fiquei na torcida para o segundo não chegar. A outra chefe era Gisela. Já tínhamos voado juntas algumas vezes, ela era boa colega e boa companhia para o pernoite. Seria bom eu me juntar a ela no voo. Mas na última hora chegou o titular do voo.
Fiquei decepcionada! Me despedi da Gisela: "Poxa, ainda não será dessa vez que eu vou conhecer Abidjan!" E ela: "Que pena! Queria que você fosse! Fica pra próxima!" Foi a última vez que nos falamos.
No dia seguinte fui fazer meu voo programado. No dia 3 de Janeiro pousei de volta no Galeão por volta de dez da manhã. O despachante que recebeu nosso voo, mal abriu a porta e ao invés de Bom Dia soltou:"Vocês souberam do Abidjan?"
E a gente não sabia de nada. Chegávamos de Belém depois de três horas de voo. Ele, ao perceber que não sabíamos ainda, tentou dourar a pílula: "O avião sumiu!"
Como assim sumiu? O que aconteceu? O que foi que houve? Alguém morreu? Mas depois da gafe inicial, nosso colega do aeroporto ficou evasivo e reticente.
Fomos para o DO. Todos ali com cara de enterro. O avião não tinha sumido. Tinha sofrido um grave acidente na decolagem de Abidjan quando voltava para o Brasil. Caiu a poucos quilômetros do aeroporto e explodiu. Lá estava a lista de tripulantes do voo fatídico. Sem acreditar ainda no que tinha acontecido eu fui lendo. Dentre eles estava minha amiga Gisela. A baiana Celina de apenas dezoito anos, que tinha tanta saudade do irmão pequeno que andava com a foto dele na bolsa, e que queria tanto ser comissária que tinha dito à mãe dela que se ela morresse agora morreria feliz. O comandante Carneiro, conhecido como Carneirinho, brincalhão e querido de todo mundo. O rapaz cuja irmã também era comissária. O outro que trabalhava fazendo a escala dos comissários e que tinha passado para o voo há pouco tempo. E todos os demais. Todos mortos!
Fui para casa em estado de choque. Tinha me dado conta da minha própria vulnerabilidade humana. Percebi que não somos nada. Que a vida é uma passagem. Que o presente tem esse nome porque cada dia que estamos vivos é um presente. Que ninguém pode viver o destino de outro.
Lembrei-me de um conto que eu já tinha lido há anos, mas que naquele momento fazia todo sentido. Encontro em Samarra de Somerset Maugham:
Certa vez um mercador de Bagdá mandou seu servo ao mercado comprar provisões. Pouco depois, o servo voltou, branco e trêmulo. Disse: “Mestre, agora mesmo, quando estava no mercado, fui empurrado por uma mulher no meio da multidão e ao me virar vi que fora a Morte quem me empurrara. Ela me olhou e fez um gesto ameaçador. Agora me empreste o seu cavalo, vou cavalgar para bem longe desta cidade, a fim de evitar meu destino. Irei a Samarra, lá a Morte certamente não me encontrará”.
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O mercador emprestou-lhe seu cavalo. O servo montou, enfiou as esporas nos flancos do animal e, tão rápido quanto este conseguia galopar, se foi. Então o mercador foi até o mercado, viu a morte em pé no meio da multidão, seguiu até ela e disse: “Por que você fez um gesto ameaçador para o meu servo, quando o viu pela manhã?”
O mercador emprestou-lhe seu cavalo. O servo montou, enfiou as esporas nos flancos do animal e, tão rápido quanto este conseguia galopar, se foi. Então o mercador foi até o mercado, viu a morte em pé no meio da multidão, seguiu até ela e disse: “Por que você fez um gesto ameaçador para o meu servo, quando o viu pela manhã?”
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“Não fiz nenhum gesto ameaçador”, respondeu a morte, “foi uma reação de pura surpresa. Fiquei atônita ao vê-lo, aqui, em Bagdá, já que tenho um encontro marcado com ele esta noite, em Samarra”.
Algumas observações:
“Não fiz nenhum gesto ameaçador”, respondeu a morte, “foi uma reação de pura surpresa. Fiquei atônita ao vê-lo, aqui, em Bagdá, já que tenho um encontro marcado com ele esta noite, em Samarra”.
Algumas observações:
- A comissária novinha para quem eu dava instrução pediu demissão depois disso. Tinha um mês de voo.
- Nunca pernoitei em Abidjan
- Os nomes das comissárias que morreram no acidente foram trocados.
- Se alguém tiver interesse em saber mais detalhes sobre o acidente com o Boeig 707 PP-VJK,inclusive a transcrição da caixa preta, aqui vai um link
2 comentários:
Oi Lucy, tudo bem?
Meu nome é Lídia Dourado e eu sou autora do blog Dário do Ar. Estou gostando bastante do seu blog e muito feliz em saber que existem trabalhos para o público que está entrando na aviação.
Gostaria de poder conversar contigo qualquer dia desses e também de linkar o seu blog nos meus favoritos, como recomendação de leitura para os meus leitores, pode ser?
Um grande abraço,
Lídia.
Que história alucinante.
Não tem o que fazer quando chega a hora. Ninguém morre de véspera.
Puxa,nem consigo imaginar como você ficou ao saber.....que barra!
Apesar de triste a história, fiquei fascinado! Fui lendo cada linha ansioso para saber o desfecho. Pena que foi trágico.
Bjos
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