"Pensei que era moleza mas foi pura ilusão
Conhecer o mundo inteiro sem gastar nenhum tostão"
(Melô do Marinheiro - Os Paralamas do Sucesso)
Esse blog é dedicado a todos que voam, que já voaram e que sonham em voar!





sábado, 26 de novembro de 2011

Dezembro: mês oficial do stress!

Os últimos dias do mês de Novembro são de muita ansiedade para os tripulantes. O motivo de tanto choro e ranger de dentes é a espera da publicação da escala do mês de Dezembro.

De acordo com a regulamentação do aeronauta, a escala mensal de voo deve ser publicada com uma antecedência mínima de dois dias antes do primeiro dia do mês posterior. Isso significa que a escala de Dezembro deve ser publicada no máximo até a manhã do dia 29 de Novembro.

Como Dezembro é mês der alta temporada, muitos voos extras, mudanças de última hora na programação, etc. e tal, é certeza de que a escala vai sair no último minuto!

O  motivo de tanta expectativa são as festas de fim de ano. "Onde estarei no Natal?" "E no Ano Novo?" Por mais que as pessoas se digam desapegadas das tradições familiares, que não ligam para Natal, que não se incomodam em ficar longe da família, na hora H percebem que as coisas não são bem assim.

Uma coisa é você passar as festas longe da família por opção sua. Ir para um lugar de sua escolha, estar com pessoas que você escolheu, ou até mesmo ficar sozinho, mas por vontade própria.
Outra bem diferente é passar essas datas em locais que foram determinados, com pessoas que não foram escolhidas por você.

Nós podemos até tentar entrar no clima do elemento surpresa: "Legal! Sem problemas! O resto da tripulação também vai estar sozinho, a gente se reúne e comemora!"
Mas pode acontecer de nem todo mundo estar na mesma vibe... E você passar sua noite assistindo ao especial de Natal do Roberto Carlos pela TV no seu quarto de hotel. Se estiver no Brasil.

Os mais descolados não se apertam e saem sozinhos mesmo. Esquecendo-se de que para o resto das pessoas aquelas datas são passadas em família, e com isso os lugares que em dias normais são badalados, naquelas datas vão estar às moscas com meia dúzia de gatos pingados enjeitados.

As empresas de grande porte geralmente permitem que o tripulante escolha uma data para folgar. Natal ou Ano Novo. Quem escolhe o Natal voa no Ano Novo, e vice versa. Mas não é cem por cento garantido do tripulante ganhar a folga solicitada! Quem tem pouco tempo de casa corre grande risco de voar nas duas datas. E mesmo os "antigões", por algum erro de escala podem não ter os pedidos atendidos.

Muito pior do que estar voando nessas datas é estar de reserva! Aí é tortura em alto grau! Não se sabe se vai ou se fica e não pode planejar nada com ninguém.

Depois da escala publicada não adianta chorar! Pode xingar, bater boca com a escala, dizer que foi injustiçado, etc. Pode até tentar trocar com alguém, mas vai ser difícil!

Enfim, faz parte! O stress que o tripulante sofre já foi comentado no post  Vai começar a pauleira.  Quem escolhe esse caminho não escolhe apenas uma profissão. Escolhe também um modo de vida. Você pode optar entre ficar estressado ou relaxar e deixar fluir. Se você quiser ser feliz na sua escolha de vida, eu aconselho a segunda opção.

Nos próximos posts, em homenagem à essa época natalina, escreverei sobre as festas de fim de ano que eu passei voando.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Relacionamentos e aviação


"Relacionamento não é aquela coisa colorida onde tudo se encaixa perfeitamente. O nome daquilo é Lego!" - sabedoria popular da net
 Muita gente se pergunta se é possível para um tripulante manter um relacionamento estável. O fato de passar vários períodos longe de casa, de estar sempre voando de um lugar para o outro e de estar cercado de pessoas bonitas, ou pelo menos interessantes não prejudicaria? E a tentação de dar uma "pulada de cerca", já que o que os olhos não veem o coração não sente?

A percepção daqueles que entram na aviação é de que vão encontrar "um mar de solteiros", como definiu o comissário Filipe Eloy em seu blog É tanto que transborda, leitura obrigatória para quem tem interesse em seguir a carreira.

Mas logo se vê que as coisas não são bem assim. Na verdade o número de tripulantes casados ou em  relacionamento estável ultrapassa o de solteiros, aí incluídos também os pilotos.

Essa estatística se deve a uma série de fatores, mas creio que o principal é aliviar a solidão que acomete esses profissionais.

Já comentei aqui em outros posts que, apesar do glamour, das viagens e das oportunidades de ter contato com várias pessoas, a profissão de aeronauta é muito solitária. Por isso a necessidade de ter alguém para chamar de seu, de ter um porto seguro, um lar para onde voltar, descansar e repor as energias para mais uma jornada.

Tripulantes, assim como os artistas, se casam muito entre si. O afastamento do grupo de amigos "terráqueos" é inevitável, e o convívio constante com os colegas também. Isso favorece os relacionamentos. Tem muitas comissárias casadas com pilotos ou com comissários, assim como casais homossexuais assumidos.

É um relacionamento com menos atritos, digamos assim, pois um conhece a rotina do outro. Por isso as cobranças são menores. Alguns casais solicitam escala fixa, mas não porque se amam de paixão e um não vive sem o outro rsrs... Mas por questões mais práticas, como morar longe do aeroporto e ter um carro só.
Deve-se ter cuidado porque nada como a convivência H24 para desgastar um relacionamento!

Os que se casam com pessoas que não são da aviação enfrentam atritos maiores, principalmente as mulheres. Homens são menos flexíveis em relação à rotina de trabalho da mulher comissária. Muitas vezes não entendem como é que a mulher chegou de viagem ontem e hoje já vai voar de novo e só volta dali a três dias! Ou então acham que são candidatos a chifrudos. É preciso ter maturidade e equilíbrio, além de confiança total um no outro. E volta e meia fazer o famoso DR (discutir a relação) rsrs... É preciso acima de tudo RESPEITO pela pessoa que escolheu estar a seu lado.

Muito importante também é o casal ter objetivos comuns. Pode ser desde comprar um imóvel até planejar uma viagem de férias. E uma vez alcançado o objetivo, cria-se outro, e mais outro.

Como muitas vezes a solidão e a carência andam juntas, é comum tripulantes caírem em ciladas por causa dela.

As comissárias podem atrair maridos chupins - expressão do tempo da minha avó - mas não achei outra melhor para definir homens que não são muito chegados ao batente, porém tem uma boa lábia e se fazem de imprescindíveis na vida da comissária carente. Por isso é preciso ser racional e estar atenta para não entrar nessa furada! Como se diz por aí: Treino é treino. Jogo é jogo. rsrs

Assim como o marido chupim, também existem as mulheres oportunistas que estão sempre rondando os tripulantes. Os pilotos são as maiores vítimas, pois são considerados "bons partidos" pela remuneração que recebem. Mas os comissários também não estão livres! Pode acontecer do comissário se apaixonar por uma mulher que trabalha, tem sua carreira e é independente, e pouco tempo depois do casamento essa mulher se desliga do emprego por qualquer razão, vira madame e passa a viver do salário e dos benefícios da profissão do marido. Maior propaganda enganosa!

O velho clichê do "piloto com a aeromoça", apesar de muito aumentado no imaginário popular, até existe. Eles jogam a isca, se colar colou. Tem as que se fazem de desentendidas. Tem as que fingem morder a isca mas na verdade quem acaba sendo fisgado são eles quando elas se tornam as "patroas" rsrs. E tem aquelas que ainda acreditam na velha história, mais velha do que a do piloto com a aeromoça, de que um dia "ele vai largar a mulher para ficar com ela".

Enfim, o ambiente da aviação, como qualquer outro meio adulto, não é puro nem inocente. Mas está longe de ser aquela orgia desenfreada que muita gente pensa.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Filhos, trabalho e culpa

Para muitos pode parecer que a maternidade é incompatível com a profissão de comissária. Em tempos mais remotos essa percepção era tão certa que as "aeromoças" quando se casavam tinham que pedir demissão. Não era a toa que elas eram sempre aeroMOÇAS! rsrs

Mas eram outros tempos. Tempo em que muitas mulheres não trabalhavam fora, e as que trabalhavam ou estudavam deixavam de faze-lo quando se casavam para priorizar a família e os filhos que viriam.

Hoje os tempos mudaram. As mulheres trabalham fora não mais por opção, mas por necessidade mesmo. Quando são casadas, muitas vezes o salário do marido não é suficiente para sustentar a casa e os filhos. E por falar em filhos, a maternidade deixou de ser vinculada ao casamento. As mulheres tem filhos e continuam solteiras, ou se separam com os rebentos ainda pequenos.

Toda mãe que trabalha fora se sente culpada quando deixa o filho aos cuidados de terceiros. Fato. A função de mãe está ligada à culpa desde tempos imemoriais. A mãe é sempre a culpada de tudo!
Se o filho é um delinquente: culpa da mãe que não estava presente na formação dele!
Se o filho é mimado e imaturo: culpa da mãe que fazia todas as vontades dele!
Se vai mal na escola: culpa da mãe que não acompanha os estudos dele!
Se é estudioso, centrado e inteligente: a mãe não fez mais do que a obrigação!

A comissária pode perfeitamente conciliar o trabalho com a maternidade sem causar traumas nem deixar sequelas em ambos (mãe e filho).

Ao ser detectada a gravidez, a comissária deve notificar a empresa e sair da escala de voo. Comissárias não podem voar grávidas, não por causa do voo em si, mas pela natureza do trabalho a bordo que requer esforço físico.
Enquanto estiver afastada a funcionária recebe da empresa um salário maternidade, que consiste no salário em carteira, sem as horas de voo.

Como o INSS não considera gravidez como doença, e de fato não é, o salário maternidade é pago até o oitavo mês de gestação, quando após a perícia feita no CEMAL ou outro órgão responsável pela emissão do CCF, a comissária inicia a licença maternidade de 120 dias assegurada por lei a todas as mulheres que trabalham no regime de CLT.

Na prática a mãe comissária fica quase um ano afastada do trabalho, pois é costume emendar as férias na licença maternidade, barganhar mais uns 15 dias se o pediatra atestar que a criança precisa...

Até aí, tudo bem. Mas vai chegar a tão temida hora de retornar à escala de voo! Afinal, trabalhar é preciso!

A maioria das comissárias ou já são mães, ou um dia irão se tornar.

Apesar de saber que cada caso é um caso, que cada uma sabe aonde o calo mais aperta, que os conselhos para umas podem não servir para outras, e que se conselho fosse bom ninguém dava, só vendia, esse blog é dedicado para aqueles que voam, já voaram ou pensam em voar.
Então eu não poderia me furtar a deixar aqui registrado algumas dicas, sugestões e conselhos grátis de alguém que já passou pela experiência e já sentiu na pele toda culpa e toda a angústia, mas que sabe que tudo isso valeu a pena.
Os conselhos a seguir são baseados em experiências próprias e de outras comissárias mães, guerreiras e dedicadas que generosamente compartilhavam as vivências com as companheiras de jornada.


  • Tente (pelo menos tente) manter o corpo em forma durante a gravidez. Nada de achar que você tem que comer por dois! Lembre-se de que você vai ter que caber dentro do uniforme quando retornar.

  • Mesmo que você tenha ajuda de terceiros, procure uma creche para seu bebê por meio período. Existem creches que aceitam bebês a partir de seis meses. Procure uma próxima da sua casa. Se tiver referências melhor. Se não tiver, peça para conhecer as dependências, converse com pedagogas e psicólogas, faça visitas surpresa, converse com outras mães que tem filhos lá. É importante para criança se socializar desde cedo, além de não sobrecarregar a pessoa que está te ajudando, porque afinal de contas a mãe é você e não ela!
  • Obs. Não se iluda pensando que a sua mãe vai ter sempre a maior boa vontade em te ajudar. Volta e meia elas reclamam mesmo, porque uma coisa é ser avó e só paparicar o netinho, outra coisa é ficar no seu lugar de mãe enquanto você está voando.

  • Ao contratar uma empregada, faça isso enquanto estiver de licença maternidade para poder observar de perto a postura dela e como seu filho reage a ela. Explique como será sua rotina quando você retornar ao trabalho. Deixe claro que você trabalha aos domingos e feriados e pergunte se ela está disposta a encarar essa rotina. Você pode compensa-la com folgas durante a semana.  
No quesito empregada doméstica vale ressaltar que nem sempre elas cumprem o prometido!  Enquanto você está de licença está tudo bem, mas no primeiro domingo ou feriado que elas tiverem que trabalhar, pode acontecer de roerem a corda e mudarem de idéia. Por isso esteja muito segura da pessoa que contratar!

  •  Não pense que só porque seu filho ainda é um bebê ele não vai sentir sua ausência. Crianças muito pequenas manifestam suas emoções somatizando febre alta, erupções cutâneas, vômitos, etc. Prepare-se para a possibilidade de chegar de voo e ter que decolar novamente rumo ao pediatra com seu filho no colo. Tenha em mente que isso é uma fase e vai passar. Não se sinta culpada (pelo menos tente!).

  • Em uma determinada fase pode acontecer de seu filho começar a chorar toda vez que você vestir o uniforme. Isso acontece por volta dos três anos, mas pode variar. Resista para não chorar também. Faça das tripas coração, fale com ele com muita calma e carinho, mas com firmeza, que a mamãe tem que sair para trabalhar, mas que sempre vai voltar para ficar com ele. Não ceda aos apelos, a não ser que ele esteja realmente doente. Se você ceder, ele vai entender que essa é a maneira de manter a mamãe perto dele e continuará fazendo. Lembre-se novamente de que isso é uma fase e também vai passar!

  • Sei que é inútil dizer para uma mãe que se sente culpada por estar longe do filho para evitar trazer presentes toda vez que chega de voo! Claro que você vai ver um monte de coisas bonitas e diferentes que seu filho vai gostar! E que você vai comprar essas coisas! E vai ter o impulso de abrir a mala assim que chegar em casa para mostrar os presentes, como forma de compensar sua ausência. E com isso a criança vai associar sua chegada aos presentes que ela vai ganhar! E ao invés de você, o interesse dela vai estar concentrado na sua mala!
Então faça o seguinte: Compre os presentes que você quiser, mas não dê ao seu filho de imediato. Guarde para dar em um dia especial, como aniversário, dia das crianças ou algo assim. Vá juntando o que você trouxer e dê nesses dias. Presentear o filho uma vez ou outra quando se chega de voo não tem problema. Mas fazer disso um hábito não é benéfico nem para a criança, que se torna interesseira e nem para a mãe, que se vê na obrigação de sempre comprar presentes.

  • Quando seu filho tiver idade suficiente, leve-o em um voo que você esteja tripulando. Assim ele vai poder ver como é seu ambiente de trabalho, o que você faz a bordo e ainda vai poder curtir um pernoite com você no hotel (eles adoram hotéis!) e dependendo do voo fazer alguns passeios. Eu levei meu filho comigo pela primeira vez quando ele tinha quatro anos. Era um voo para Manaus com escala em Brasília, e o pernoite era em um hotel maravilhoso. Ele adorou e se comportou bem a bordo. Os colegas ajudam e às vezes até os passageiros. Depois disso fiz voos mais longos com ele, para Europa e Estados Unidos.

No final de tudo, eles sentem muito orgulho de nós! E ainda tiram onda com os amigos contando das viagens que eles fizeram. O mundo se abre para eles também, pois a oportunidade de ter contato com outras culturas e visitar outros países não tem preço e faz uma grande diferença na formação do caráter deles e na visão que eles terão do mundo e das pessoas.

E isso faz todo sacrifício valer a pena!