"Pensei que era moleza mas foi pura ilusão
Conhecer o mundo inteiro sem gastar nenhum tostão"
(Melô do Marinheiro - Os Paralamas do Sucesso)
Esse blog é dedicado a todos que voam, que já voaram e que sonham em voar!





domingo, 31 de julho de 2011

O passageiro classe C


Ou: Eu odeio pobre!!!



Foi-se o tempo em que viajar de avião era privilégio de poucos. Agora o transporte aéreo se democratizou e alcançou camadas mais populares.
Isso é bom para quem está entrando no mercado. Mais ofertas de emprego, o setor está bombando.
Mas também significa ter que saber lidar com esses novos clientes e com seu modus operandi.

Gente mal educada existe em todas as camadas sociais. Fato. Até nas chamadas classes "diferenciadas" tem pessoas grosseiras e arrogantes. E como tem!

Mas lidar com a classe C emergente requer bastante jogo de cintura para você comissário não se melindrar à toa, não se estressar a toda hora e o mais importante: para não melindrar o cliente que é quem sempre tem razão. Seja ele brega ou chique.

Choques culturais ocorrerão com certeza, e você, como bom profissional que é, tem que estar preparado para lidar com isso da melhor maneira possível.

O passageiro classe C costuma pedir a atenção do comissário de maneiras pouco ortodoxas, como por exemplo cutucando. Podem cutucar o ombro, o braço, as costas ou puxar a manga da camisa. Não conheço ninguém que goste de ser cutucado. É chato, é desagradável, é invasivo. Mas o bom profissional aprende a "entubar".
Para quem tem verdadeiro horror de ser cutucado eu sugiro procurar outra profissão. Eles não vão parar de fazer isso. E nem você vai ficar dando aulas de etiqueta nas alturas. Até porque você terá mais o que fazer.

Uma outra maneira de se chamar os comissários é no assobio. Muitos usam o PSIU! Ou o grito mesmo: Ei! /Moça! /Aeromoça!/Meu camarada!/Colega! e outros  mais.
Ficou chocado? Vai ter dois trabalhos, pois volto a repetir: Você não é pago para dar lições de boas maneiras a quem não as pediu. O máximo que se faz numa hora dessas é mostrar ao cliente o botão de chamada do comissário e solicitar que da próxima vez ele aperte o botão ao invés de gritar. As chances de você ser atendido são.... bem.... digamos...... dois por cento talvez? rsrs

Mas ao contrário do que parece, ninguém faz isso por ser grosseiro. É que a classe C tem uma noção de privacidade peculiar. Costumam viver mais aglutinados do que as classes mais favorecidas. Ou moram várias pessoas na mesma casa, ou existem vários núcleos familiares no mesmo terreno.  O famoso "puxadinho", o segundo andar construído em cima da lage. Por isso a noção de privacidade é relativa. Isso explica os cutucões e os gritos. Quando se tem que dividir o espaço com vários outros, muitas vezes o grito é questão de sobrevivência.

A classe C costuma sujar mais o avião. Nesse caso já é uma questão cultural do povo brasileiro. Em países mais desenvolvidos o que se pensa é: "Não vou jogar papel no chão para que a rua por onde eu passo não fique suja."
Aqui a mentalidade é: "Se todo mundo joga papel no chão por que eu não posso jogar?"
E na cabeça deles sempre vai ter "alguém" para limpar a sujeirada. Então para que se preocupar?

Lidar com o ser humano nunca foi tarefa fácil. Lidar com seres humanos de cultura e mentalidade diferente da nossa é mais difícil ainda.
Procurando ver a situação pelo lado bom (sim, tudo tem seu lado bom!) são essas coisas que fazem da profissão de comissário um desafio e uma aventura. Já pensou se todos os passageiros se comportassem de maneira previsível? Não teria graça, e a gente não teria tantas histórias para contar aos nossos filhos, para postar nos nossos blogs ou para publicar em nossos livros.




quarta-feira, 20 de julho de 2011

Sexto sentido

Todo mundo que trabalha com público desenvolve uma espécie de sexto sentido, um feeling ou sei lá que nome dar a isso. Comissários não são diferentes.
É uma espécie de premonição resultante da captação da energia do outro. Nós antecipamos como o outro vai se comportar.

Quando estamos à porta do avião recepcionando os passageiros podemos sentir suas vibrações. Podemos prever quem vai dar trabalho, quem vai causar problemas, quem vai nos "alugar" . E isso não se trata de percepção individual. O colega que está ao nosso lado também sente, e a troca de olhares substitui qualquer palavra. Os passageiros também não precisam falar nada, nem dar bom dia, nem ao menos nos olhar nos olhos. Basta passar por nós.

O curioso é que as energias "ruins" são captadas mais facilmente do que as boas. Aquele passageiro educado, elegante e fofo emana menos vibrações do que o mal educado ou o "nuvem negra", aquele que tudo acontece com ele.

O "nuvem negra" já é percebido de cara. E assim que embarca começam os problemas. O assento dele está quebrado e não reclina. A luz de leitura não funciona. O voo está atrasado e ele vai perder a conexão. A bagagem dele não cabe no bin porque alguém chegou na frente e ocupou o espaço. As opções de comida terminam quando chega a vez dele.Agora só tem carne vermelha e ele não come carne vermelha. E por aí vai.

O "carente" também é percebido antes dele se manifestar. E passa o voo inteiro chamando, pedindo, perguntando, querendo atenção.

Um dos piores é o trouble maker. A criatura parece que foi viajar com a única intenção de criar caso.  Reclama de tudo, pede o que não tem, reclama mais ainda, acha tudo um absurdo, pede o impossível, compara a companhia aérea com as concorrentes e reclama muito!

Muitas das vezes o trouble maker é o passageiro frequente, que conhece a rotina dos voos. Os que possuem cartão de fidelidade da empresa fazem questão de dar carteirada. Como se isso fosse garantir grandes coisas. Se o avião cair vão todos para o mesmo lugar. Com cartão de fidelidade ou sem ele.

Nunca consegui explicar esse sexto sentido de uma maneira racional. Sei que a linguagem corporal ajuda a identificar comportamentos, até porque trabalho com isso. Mas  tem algo a mais. Energias? Vibrações? No creo, pero que las hay, las hay!

De qualquer modo, ao chegar de voos especialmente "carregados", recomenda-se um bom banho de sal grosso, um incenso purificador, um defumador, uma oração. Depende de cada um.
Dificilmente você verá gente morta frequentando seus voos. Mas os vivos que viajam de avião já assustam o suficiente.

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Brincadeirinha



Era a primeira vez que Evelise atravessava o Atlântico. No avião, rumo à Africa (não me lembro se para Abidjan ou Maputo), ela dormia sentada nos assentos reservados à tripulação.

Sobrevoando o oceano no meio da madrugada os passageiros também dormiam e o avião estava na penumbra para que todos pudessem descansar melhor e não ficassem com vontade de perturbar os comissários.

Enquanto isso eu e Cris estávamos de plantão na galley traseira. Sem nada para fazer já que os passageiros estavam dormindo, deixamos a imaginação fluir e tivemos uma idéia. Por que a gente não dava as boas vindas à Evelise em seu primeiro voo transatlântico com uma brincadeira engraçada?

Pegamos três coletes salva-vidas, vestimos dois e com o terceiro na mão fomos acordar-la:
"-Evelise! Acorda Evelise!"
Ela abriu os olhos meio dormindo e olhou para nós duas vestidas com os coletes sem entender nada.
"- Você tem que vestir seu colete agora. É uma emergência! O comandante avisou que a gente vai pousar no mar!"


Ela levantou num pulo, branca feito papel:
"- Ai, meu Deus! E agora? Eu tenho duas filhas! E a minha mãe? O que será dela? Ai, meu Deus! Ai, meu Deus! As minhas filhas!"


E a gente tirando rapidamente os coletes, sem saber se ficava arrependida ou se caía na gargalhada:
"- Calma, Evelise! Calma! É brincadeira! É mentira! A gente não vai pousar no mar! Está tudo bem!"


Depois de muito tempo felizmente ela conseguiu se acalmar, pois já tinha passageiro acordando com os gritos e olhando para nós desconfiado.
"- Não foi nada não, senhor! É que ela machucou a cabeça ao se levantar muito rápido. Está tudo bem."


Evelise passou o resto do voo sem nos dirigir a palavra. No lugar dela talvez eu fizesse o mesmo. Mas o tempo passou e toda vez que a gente se encontrava ficava relembrando o episódio e se escangalhando de tanto rir.

 De duas coisas eu tenho certeza. A recepção que nós demos a ela pode não ter sido muito tradicional, mas  foi muito mais calorosa do que a que deram a mim no meu primeiro voo internacional. E ambas as recepções, por motivos totalmente diferentes, foram inesquecíveis!



domingo, 10 de julho de 2011

Web Gol

A Gol anuncia interesse em comprar a Web Jet. Para mais detalhes clique aqui.

Vejo um duopólio se formando no horizonte... De um lado a Tam que já é a primeira no mercado. Do outro a Web Gol, ou seja lá qual vai ser o nome.

Acho que já vi esse filme... Em aviação nada se cria, tudo se repete.

Mais do que isso, eu vejo duas tendências. De um lado a Tam com a filosofia de atendimento voltada para o cliente "diferenciado". Passagens mais caras, tratamento mais "vip".
De outro a Web Jet e Gol querendo se firmar no mercado mais popular, fazendo da aviação um meio de transporte acessível aos calégatudo!
Apartheid aéreo! rsrs

No meio disso e correndo por fora tem a Avianca, que se cumprir a promessa de um atendimento nos moldes dos de antigamente, com um serviço de bordo comme il faut e aeronaves mais espaçosas vai ser um ótimo diferencial no mercado.

Também tem a Azul, que por ser pequena ainda não incomoda tanto, mas por isso mesmo pode se transformar numa "grandona" antes que os concorrentes percebam.

Para os futuros profissionais da área o ideal é que tenham muitas opções. Quanto mais melhor. Por isso eu acho que essa história de ficar juntando uma com outra não tem nada a ver.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

A embaixada



Um avião brasileiro em solo de país estrangeiro é considerado pelos brasileiros que o utilizam como território do Brasil, mesmo que para efeitos legais aeronaves privadas não possuam extraterritorialidade. Mas nesse caso, como diz a canção de Milton Nascimento: "O que importa é ouvir a voz que vem do coração."
Então dentro do avião é território brasileiro e pronto!

Não foram poucas as vezes que escutei de passageiros embarcando coisas do tipo: "Agora sim, eu sinto que estou em casa!" ou "Que bom escutar vocês falando português!"
Essas frases eu ouvia tanto de turistas que acabavam de retornar de excursão de uma semana a Miami, saudosos do Guaraná e "esquecidos" da língua portuguesa quanto daqueles que por algum motivo deixaram a terra natal para viver em outros países e retornavam depois de muito tempo, em visita ou definitivamente.

Muitas vezes também ouvi: "A Varig é como se fosse uma embaixada!"
Falo da Varig porque durante muitos anos foi a única companhia aérea brasileira a voar para o exterior. A ditadura militar deu-lhe o monopólio, que foi quebrado anos depois, mas mesmo assim hoje o monopólio extra-oficial ainda persiste. Uma pena. Gostaria de ver mais embaixadas com asas pelo mundo.

Certa vez eu estava recepcionando passageiros a bordo no aeroporto de Heathrow em Londres quando uma moça embarcou. Devia ter uns vinte e cinco anos mais ou menos. Estava pálida, e ao embarcar seus olhos se encheram de lágrimas e ela disse: "Graças a Deus eu estou aqui!" E suas pernas cederam.
Conseguimos leva-la para um canto, oferecemos água mas ela disse que não podia beber. Aliás não podia engolir quase nada porque tinha tido um derrame. E foi contando sua história.

Tinha vindo para a Inglaterra tentar a vida como tantos outros. Seu namorado já vivia em Londres. Ela conseguiu alugar um quarto na casa de uma senhora. Como estava ilegal só conseguia sub-empregos, mas ia vivendo mesmo assim.
Até que o namorado veio embora. Ela foi ficando até que teve o derrame. Como imigrante ilegal não tinha direito ao sistema de saúde britânico, e não podia mais trabalhar.
Não sei por quanto tempo ela permaneceu nessa situação, sem trabalho e sem assistência, até que um dia sua landlady, certamente com medo dela morrer em sua casa, das despesas que isso acarretaria e das explicações que teria que dar ao serviço de imigração, procurou saber os horários de voos da Varig para o Brasil, colocou-a dentro do carro e desovou-a em Heathrow.

Não fiquei sabendo se tal derrame era consequência de uma patologia mais séria, mas naquele momento não cabia especular. A moça estava mal, estava sozinha, estava sem se alimentar e precisava voltar para casa.
Fomos falar com o comandante que com bom senso e raciocínio prático decidiu: "Se ela morrer a bordo pelo menos estaremos levando-a para casa. Se ficar aqui vai morrer como indigente. Deixem ela ficar."

O bilhete dela era da classe econômica, mas a Executiva tinha assentos vazios. O comandante liberou para que nós a puséssemos lá, num assento próximo da galley para darmos a assistência necessária.
Fizemos soro caseiro e uma escala de revezamento para dar-lhe o soro aos poucos com uma colher, pois ela mal podia engolir. E durante as doze horas de voo nos revezamos para cuidar dela, que por sorte foi melhorando.

Conseguimos traze-la a salvo para seu país. Pousamos em São Paulo e ela desembarcou agradecendo muito pelos cuidados e atenção.
Não me lembro mais seu nome. Mas a sensação boa de missão cumprida eu nunca esquecerei. E sei que ela não esquecerá essa viagem, assim como eu e meus colegas que participaram da mesma missão.

Espero que ela esteja bem. Assim como espero que outros brasileiros expatriados, deportados ou exilados de sua terra natal por qualquer motivo continuem tendo uma boa acolhida ao voltarem para casa. Sem perguntas, sem cobranças e sem julgamentos.

sábado, 2 de julho de 2011

Enquanto isso na Azul Linhas Aéreas...



Semana passada, dia de nevoeiro intenso em São Paulo e Rio de Janeiro, como é comum nessa época do ano.
Dia de aeroportos fechados por condições metereológicas. Dia de stress para todos que trabalham em aviação, principalmente agentes de aeroporto e tripulantes, que são aqueles que tem que passar óleo de peroba na cara e botar a mesma para bater.

Dia de passageiros estressados nos mais diversos graus, botando para fora seus instintos mais baixos, sem querer nem saber se a culpa do atraso é de São Pedro ou não. Eles querem é chegar ao destino de qualquer jeito, não importa como.

Embarque tumultuado em São Paulo depois de muitas horas de espera para o voo com destino ao Rio. Um casal com uma criança de colo reclama com a comissária que marcaram lugares separados para eles e pedem para sentar juntos.

A comissária se dirige a um passageiro sentado sozinho na primeira fileira de poltronas:
- Com licença. Será que o senhor poderia trocar de assento para esse casal com a criança poder sentar juntos?
Passageiro: - Só se tiver assento na janela.
Comissária: - Um momento.
Volta pouco depois.
- Senhor, tem um assento na janela um pouco mais atrás.
Passageiro: - É no Espaço Azul?
Comissária: - Não.
Passageiro: - Então eu não troco.
Comissária: - Obrigada, senhor.

O casal reclama mais um pouco e no final viaja separado mesmo. O homem vai sozinho na fileira de poltronas do Espaço Azul.

Mas o que é o Espaço Azul e por que ele é tão imprescindível?
Espaço Azul é o nome criado para denominar dezesseis poltronas do avião com alguns centímetros a mais de espaço para esticar as pernas. Sim você já leu isso por aqui, no post Assento conforto.

O passageiro, no ato da reserva pode solicitar um assento no Espaço Azul pagando uma diferença de R$30,00 no preço do bilhete.
As poltronas comuns tem 79cm de espaço entre elas. As poltronas "nobres" do Espaço Azul tem 86cm. O passageiro paga por 7(sete) centímetros a mais!
Você duvida? Então clique aqui.



Está aberto o debate. Na sua opinião quem está errado nessa história?

O passageiro, que foi mesquinho ao se recusar a ceder seu assento para o casal com uma criança de colo?
Afinal era um voo de quarenta minutos, será que faria tanta diferença assim os sete centímetros a mais para tão pouco tempo? O que custava ele fazer a gentileza?

O casal, que poderia muito bem viajar separado numa viagem de quarenta minutos e ninguém morreria por causa disso? Afinal o voo já estava bastante atrasado, para que causar mais problemas? Além do mais o cidadão pagou 30 reais de diferença para ter o direito de sentar lá.

As empresas aéreas,que na ganância por mais dinheiro sub-locam a classe econômica inventando assentos diferenciados numa mesma cabine e criam estratégias de marketing visando botar lenha na fogueira de vaidades que existe dentro de cada ser humano, fazendo-os acreditar que 30 reais farão deles pessoas "diferenciadas"?

Acreditem, queridos leitores, é muito fácil massagear o ego de um passageiro. Apesar deles se avaliarem por muito, acabam se vendendo por bem pouco. Às vezes por sete centímetros a mais para esticar as pernas. Outras vezes por um bombom Sonho de Valsa.