"Pensei que era moleza mas foi pura ilusão
Conhecer o mundo inteiro sem gastar nenhum tostão"
(Melô do Marinheiro - Os Paralamas do Sucesso)
Esse blog é dedicado a todos que voam, que já voaram e que sonham em voar!





domingo, 18 de dezembro de 2011

Natal em Amsterdam


Amsterdam é um dos meus lugares favoritos no mundo. Um dos lugares que eu quero voltar antes de morrer.
A cidade é pequena e linda! O povo é simpático, desestressado e receptivo com os turistas. Bem diferente de outros povos da Europa. Os holandeses tem um calor humano que lembra de certa maneira nós aqui dos trópicos.Quando saiu minha escala e eu vi que ia passar o Natal em Amsterdam, com direito a dois dias inativos eu fiquei feliz!



Na empresa em que eu trabalhava, o tripulante que voava  no Natal ou Ano Novo tinha direito a levar um dependente consigo. Podia ser marido, mulher ou filho. Mas os solteiros e sem filhos não podiam levar ninguém.
Na época eu era solteira, então juntei-me aos outros desgarrados.  Éramos uns quatro ou cinco solteiros, os demais estavam acompanhados. 
Na noite de Natal, resolvemos ir ao Bulldog Cafe para relaxar, tomar umas cervejas e ficar chapados.
Na Holanda o consumo de maconha e haxixe é liberado. Em Amsterdam existem vários bares ou cafés que vendem o produto, com cardápio e tudo, além de disponibilizar os apetrechos para a confecção do baseado.  A gente consome lá mesmo. Nas ruas não é permitido assim como em lojas e outros estabelecimentos.
The Bulldog Cafe
Pausa para comentário elucidativo: abrir parênteses Não apoio o consumo de substâncias psicoativas em locais onde estas não são legalizadas. Já está comprovado o poder de destruição que o crime organizado possui. Cidades sitiadas, cidadãos ameaçados e insegurança. E também recuso-me a ajudar Fernandinho Beira-Mar, Nem e companhia a comprar carrões importados e jóias cafonas pra suas mulheres. fechar parênteses


Ficamos lá numa boa curtindo nosso Natal doidão até umas onze da noite, quando resolvemos voltar para o hotel. Compramos algo para comer, o vinho já tinha sido providenciado. Combinamos a reunião no quarto da Bebel, que era maior.  A intenção era comer, tomar o vinho e capotar cada um no seu quarto.
Ao chegar à recepção, um gentil funcionário nos informou que o hotel estava oferecendo uma ceia de cortesia para a tripulação, e que todos já estavam reunidos no salão. Só faltava a gente.
Que cilada! Nem dava para fugir! Lá fomos nós, com os olhos vermelhos e uma vontade danada de rir, que logo se transformou em vontade de chorar quando vimos todo mundo sentadinho e comportadinho  nas mesas colocadas em semicírculo.
Os garçons, cada um com sua tromba se arrastando pelo chão, davam a impressão de que foram pegos tão de surpresa quanto nós para a tal ceia de cortesia. E que assim como nós gostariam de estar a anos luz dali!
Sentamos todos, com um sorriso amarelo na cara, a boca seca, sem saber o que dizer, à espera de um milagre de Natal. Um apagão, um alarme falso de incêndio, uma poção mágica de invisibilidade, enfim qualquer coisa que nos desse a chance de escapar. 
Como nada está tão ruim que não possa ficar pior, a mulher de um dos co-pilotos resolveu incorporar a primeira-dama (apesar de ela ser a segunda-dama) e para quebrar o gelo propôs que cada um de nós dissesse algumas palavras.
É nessas horas que a gente compreende verdadeiramente a expressão: de boas intenções o inferno está cheio!
E ela mesma, toda se achando, começou o discurso de abobrinhas, na certa para mais tarde se gabar para o marido: "Viu só como eu falei bonito, benhê?" Disse que estava “muito feliz por estar ali, que o Natal era um momento de confraternização, que isso, que aquilo…”
Eu olhava para os meus amigos e eles para mim, imaginando o que fazer. Gritar até ficar rouca? Mandar a “primeira-dama” se situar e parar de falar besteira? Desmaiar? Pegar a faca em cima da mesa e cortar os pulsos?
Quando chegou na minha vez de dizer algumas palavras eu falei mais ou menos assim: “Olha, vocês são muito gentis e tal, mas  eu não curto muito essa coisa de comemoração, nem de discurso. Na verdade eu nem queria dizer nada porque eu não tenho nada interessante para dizer.”
Alguns segundos de silêncio.  Veio a comida, que por sinal deixava a desejar. Os garçons que nos serviam com uma má vontade gritante contribuíram ainda mais para tornar a ceia de Natal  uma verdadeira tortura.
Desejei boa noite assim que pude faze-lo sem parecer falta de educação, e fui dormir.
No outro dia era Natal! Como não tinha almoço comemorativo, nem discursos, nem candidatas a primeira-dama, resolvemos nos dar de presente o aluguel de umas bicicletas, um passeio na Leidseplein e uma visita ao  Bulldog Café.
Leidseplein

Stoned again…
Laricas







terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Natal em Belém


Não, não é a cidade onde Jesus nasceu.  É Belém do Pará mesmo!
Comecei a voar no mês de Dezembro, depois de três meses de curso. 
Como em aviação antiguidade é posto, eu como “carne nova” nem tive a opção de folgar nas festas de fim de ano.
O primeiro mês de um novo trabalho é sempre estimulante! Ainda mais se o trabalho é viajar pelo Brasil afora conhecendo novos lugares e tendo contato com outras culturas.
Quando peguei minha primeira escala de voo, tudo era novo para mim!  Pela programação ali impressa, eu estaria de sobreaviso no dia 23, iria para Porto Alegre no dia 24 em um voo pinga-pinga, onde passaria a noite de Natal, e no dia 25 de manhã iria a Buenos Aires, Montevideo, novamente Porto Alegre, São Paulo e finalmente Rio, chegando tarde da noite, numa programação que era conhecida como “Conheça a América do Sul em uma tarde”.
Na véspera do meu voo natalino, a programação mudou. Fui acionada no sobreaviso para o voo para Belém.  Ao invés do sul eu passaria a noite de Natal no norte, em Belém do Pará. Era um voo direto, de pouco mais de três horas, chegando em Belém pouco antes da meia noite. No dia seguinte (24) ficava inativo e dia 25 de manhã cedo retornava ao Rio, também direto.
Por mim tudo bem. Quem está na chuva é para se molhar.
Ao me apresentar para o voo, o instrutor que me acompanhava me disse feliz da vida: “A gente se deu bem com a troca de programação! O voo chega de volta ao Rio às 10 da manhã do dia 25. Ainda dá pra pegar o almoço de Natal!”
Quando fomos assinar a folha de apresentação (naqueles tempos jurássicos não tinha computador para passar cartão), uma surpresa. Toda a tripulação tinha sido reprogramada. Ao chegar em Belém prosseguiríamos no mesmo avião para Caiena, depois Paramaribo e retornaríamos a Belém para pernoitar.


Hein??? Onde???
Para quem não se lembra dos tempos de escola, e de fato a  gente até se esquece desses nossos vizinhos, Caiena é a capital da Guiana Francesa, e Paramaribo a capital do Suriname, antiga colônia holandesa.
Notei que a tripulação ficou contrariada. O comandante tentou argumentar, os demais comissários também. Mas eu, por ser nova na área não compreendi bem o porque. Pensei com meus botões que até que seria interessante pousar em dois países desconhecidos numa mesma noite.
Chegamos em Belém às onze e meia da noite. Foi o tempo de desembarcar os passageiros que vieram do Rio e embarcar os que iam para Caiena e Paramaribo. O avião estava lotado e eu sem entender o que tanta gente ia fazer naquele fim de mundo nas véperas do Natal. Havia passageiro de toda a espécie.Tinha indianos vestidos a caráter que reclamavam porque não tinham refeições vegetarianas para eles, tinha alguns com fortes traços indígenas, tinha africanos legítimos, e não afro-descendentes,  tinha europeus falando francês e inglês, tinha até brasileiros!


Pousamos em Caiena, alguns passageiros ficaram por lá e a maioria seguiu para Paramaribo. Chegando lá, todos desembarcaram e entraram outros passageiros, novinhos em folha, com a mesma variedade étnica.


A essa altura deviam ser umas  quatro horas da manhã, e a tripulação cantarolava a Melô do Marinheiro dos Paralamas do Sucesso com uma pequena modificação: "Entrei de gaiato no avião. Entrei, entrei, entrei pelo cano."


Pousamos de volta em Belém por volta das seis da manhã do dia 24. Nem preciso dizer que eu estava no bagaço... Mas todo mundo tentava entrar no clima, e combinamos para mais tarde uma reunião no quarto de alguém para passarmos juntos a noite de Natal.


Como o hotel não dava ceia de cortesia (tripulante adora cortesia!), e na noite de Natal seria dificil encontrar um lugar legal, acabamos ficando no quarto de alguém (não me lembro quem), comendo amendoim e bebendo cerveja. 


No dia seguinte pela manhã, já dentro do avião com passageiros embarcados, um barulho estranho em uma das turbinas.
Uma colega mais experiente passa por mim e sinaliza com o polegar para baixo. Ferrou!
Mais uma tentativa e o ruído da turbina fica ainda mais estranho.  Estranhíssimo, pensava eu sentada no jump seat. Ao meu lado uma outra colega, gaúcha, que tinha planos de pegar o voo para Porto Alegre assim que chegássemos no Rio, começou a chorar. Estava com a mala cheia de presentes para a família, o pai faria um belo de um churrasco.
E chama os mecânicos para ver qual era o problema, e testa a turbina de novo. Ainda não foi dessa vez. E mexe daqui, mexe dali, tem que trocar uma peça, mas tem que esperar a peça chegar de Manaus…
Resumindo: Pousamos no Rio às quatro da tarde, seis horas de atraso. Almoço de Natal nem pensar! Só no próximo ano.
Ou não…


Obs. Meus queridos leitores devem estar pensando que eu devo ser uma pessoa muito azarada, pois todas as minhas "primeiras vezes" na aviação foram problemáticas, vide Meu primeiro voo internacional. Realmente eu já parei para pensar se isso é uma questão cármica,  se Deus gosta de me botar à prova para me testar ou se é um mero acaso. Não cheguei a nenhuma conclusão definitiva. Mas agradeço a Ele pelos 20 anos sem sofrer nenhum acidente ou incidente sério e pelo fato de nunca ter precisado colocar minha vida em risco, e nem a vida de outras pessoas. Então considero esses contratempos que me ocorreram como um aprendizado para me tornar uma pessoa melhor e mais tolerante. Se eu consegui, isso eu não sei!