"Pensei que era moleza mas foi pura ilusão
Conhecer o mundo inteiro sem gastar nenhum tostão"
(Melô do Marinheiro - Os Paralamas do Sucesso)
Esse blog é dedicado a todos que voam, que já voaram e que sonham em voar!





quarta-feira, 6 de julho de 2011

A embaixada



Um avião brasileiro em solo de país estrangeiro é considerado pelos brasileiros que o utilizam como território do Brasil, mesmo que para efeitos legais aeronaves privadas não possuam extraterritorialidade. Mas nesse caso, como diz a canção de Milton Nascimento: "O que importa é ouvir a voz que vem do coração."
Então dentro do avião é território brasileiro e pronto!

Não foram poucas as vezes que escutei de passageiros embarcando coisas do tipo: "Agora sim, eu sinto que estou em casa!" ou "Que bom escutar vocês falando português!"
Essas frases eu ouvia tanto de turistas que acabavam de retornar de excursão de uma semana a Miami, saudosos do Guaraná e "esquecidos" da língua portuguesa quanto daqueles que por algum motivo deixaram a terra natal para viver em outros países e retornavam depois de muito tempo, em visita ou definitivamente.

Muitas vezes também ouvi: "A Varig é como se fosse uma embaixada!"
Falo da Varig porque durante muitos anos foi a única companhia aérea brasileira a voar para o exterior. A ditadura militar deu-lhe o monopólio, que foi quebrado anos depois, mas mesmo assim hoje o monopólio extra-oficial ainda persiste. Uma pena. Gostaria de ver mais embaixadas com asas pelo mundo.

Certa vez eu estava recepcionando passageiros a bordo no aeroporto de Heathrow em Londres quando uma moça embarcou. Devia ter uns vinte e cinco anos mais ou menos. Estava pálida, e ao embarcar seus olhos se encheram de lágrimas e ela disse: "Graças a Deus eu estou aqui!" E suas pernas cederam.
Conseguimos leva-la para um canto, oferecemos água mas ela disse que não podia beber. Aliás não podia engolir quase nada porque tinha tido um derrame. E foi contando sua história.

Tinha vindo para a Inglaterra tentar a vida como tantos outros. Seu namorado já vivia em Londres. Ela conseguiu alugar um quarto na casa de uma senhora. Como estava ilegal só conseguia sub-empregos, mas ia vivendo mesmo assim.
Até que o namorado veio embora. Ela foi ficando até que teve o derrame. Como imigrante ilegal não tinha direito ao sistema de saúde britânico, e não podia mais trabalhar.
Não sei por quanto tempo ela permaneceu nessa situação, sem trabalho e sem assistência, até que um dia sua landlady, certamente com medo dela morrer em sua casa, das despesas que isso acarretaria e das explicações que teria que dar ao serviço de imigração, procurou saber os horários de voos da Varig para o Brasil, colocou-a dentro do carro e desovou-a em Heathrow.

Não fiquei sabendo se tal derrame era consequência de uma patologia mais séria, mas naquele momento não cabia especular. A moça estava mal, estava sozinha, estava sem se alimentar e precisava voltar para casa.
Fomos falar com o comandante que com bom senso e raciocínio prático decidiu: "Se ela morrer a bordo pelo menos estaremos levando-a para casa. Se ficar aqui vai morrer como indigente. Deixem ela ficar."

O bilhete dela era da classe econômica, mas a Executiva tinha assentos vazios. O comandante liberou para que nós a puséssemos lá, num assento próximo da galley para darmos a assistência necessária.
Fizemos soro caseiro e uma escala de revezamento para dar-lhe o soro aos poucos com uma colher, pois ela mal podia engolir. E durante as doze horas de voo nos revezamos para cuidar dela, que por sorte foi melhorando.

Conseguimos traze-la a salvo para seu país. Pousamos em São Paulo e ela desembarcou agradecendo muito pelos cuidados e atenção.
Não me lembro mais seu nome. Mas a sensação boa de missão cumprida eu nunca esquecerei. E sei que ela não esquecerá essa viagem, assim como eu e meus colegas que participaram da mesma missão.

Espero que ela esteja bem. Assim como espero que outros brasileiros expatriados, deportados ou exilados de sua terra natal por qualquer motivo continuem tendo uma boa acolhida ao voltarem para casa. Sem perguntas, sem cobranças e sem julgamentos.

2 comentários:

FILIPE ELOY disse...

Também espero que esta sra. esteja bem! Com essa história ainda dá mais vontade de continuar voando. É muito bom de ler!

Lúcia, voei com um comissário ontem cujo a mãe foi comissária da Varig por uns 25 anos, na base Rio. Você conheceu alguma Tereza Motta? Se eu não me engano ela é casada com um tbm comissário da Varig. Foi muito legal ouvir as histórias dele de "filho de comissária"!
Lembrei de você falando na sala de aula sobre seu filho (ou filha) contando para os amiguinhos de escola sobre as viagens de férias para os EUA....enquanto eles iam para ali do lado. rsrs Esse comissário me contou que com ele era a mesma coisa! rsrsrs

Bjosss

FILIPE ELOY disse...

Pode deixar que, se eu encontrar com ele novamente, mando o beijo sim!

Ele disse que é o quinto da familia a trabalhar com aviação. Parece que o avô dele era piloto da Varig também...e por aí vai....rsrsrs

Muito legais essas coincidências!

Ah, ele tem agora uns 33 anos! Já não é mais menino...rsrsrsrsrsrsrsrs

bjo