"Pensei que era moleza mas foi pura ilusão
Conhecer o mundo inteiro sem gastar nenhum tostão"
(Melô do Marinheiro - Os Paralamas do Sucesso)
Esse blog é dedicado a todos que voam, que já voaram e que sonham em voar!





segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Pernoites


Lendo um post do blog É tanto que transborda do comissário Filipe Eloy, me veio à memória os pernoites, que são parte importante da vida de um comissário.

Segundo o dicionário, pernoite significa passar a noite onde não é costume passa-la. Para tripulantes pernoitar é parte da rotina e os hotéis são como uma segunda casa.

Existem hotéis onde a gente se sente mais confortável, e isso não tem necessariamente nada a ver com luxo, mas com a acolhida que recebemos no local.

Quando começa a voar, o comissário neófito quer mais é bater perna, conhecer tudo, aproveitar ao máximo a oportunidade de estar em outra cidade ou país. Os colegas mais antigos geralmente o apresentam aos lugares frequentados pelos tripulantes, ensinam dicas de como fazer a diária render comprando e comendo mais barato. As horas de repouso depois da jornada de trabalho são aproveitadas com tudo, menos com repouso. Afinal, quem vai pensar em dormir quando o mundo está lá fora esperando?

Mas o tempo passa. O que era novidade deixa de ser, e até a mais sedutora das cidades pode se tornar uma rotina penosa. Sem contar que, passados os momentos de êxtase e de euforia, muitas vezes levamos para os pernoites problemas pessoais que ficaram pendentes para serem resolvidos quando voltarmos. Ou então o cansaço se torna maior do que a vontade de conhecer. E muitas vezes não podemos contar com nossos colegas de equipe para um desabafo, ou apenas para jogar conversa fora.

É aí que entra o maior inimigo do tripulante: a solidão! Já falei disso em outros posts, O outro lado da moeda Parte 2 e Comissários: Modus Operandi-parte 2.

É fundamental não ficar alimentando a deprê! Quanto mais a gente se sente miserável e desgraçado, mais a gente se torna. Se você está naqueles dias em que acha tudo e todos sem graça e quer mais é encontrar um buraco para se enfiar, ou se simplesmente está cansado demais para sair é bom ter um kit-pernoite na mala!

Para quem gosta de ler, nada melhor do que um bom livro para nos fazer companhia e nos transportar para um mundo onde nossos problemas não existem. Livro era um ítem que não podia faltar na minha bagagem, e devo dizer que era muito mais prazeroso ler nos pernoites do que na minha própria casa com interrupções a toda hora.

Se você está com a cabeça tão atribulada que nem consegue se concentrar num livro, não tem problema! Providencie um monte de revistas de fácil leitura, tipo Caras, Capricho, Marie Claire, etc. Ou se você é "menino" e não curte fofocas de artistas, pode ser Veja, Época, Isto É. O importante é que a leitura seja de fácil assimilação.

Para quem leva consigo o netbook, não use a internet para entrar no Skype, MSN ou coisa assim para ficar "discutindo relação" e resolvendo pendengas. Pelamordedeus! Use para navegar por águas mais calmas e se distrair. Os problemas podem esperar, eles estarão lá quando você voltar (infelizmente).

Dependendo do hotel e do local onde você se encontra, procure algum filme ou programa interessante na televisão e peça no serviço de quarto uma refeição gostosa para saborear enquanto assiste. Mime-se um pouco e deixe de ser mão de vaca com a diária pelo menos uma vez!

Se tiver banheira, leve na mala sais de banho e relaxe na água morninha!

Para as mulheres ainda tem como opções para aproveitar o tempo ocioso: depilar as pernas, hidratar os cabelos, fazer máscaras faciais, usar cremes esfoliantes para a pele, enfim, todas aquelas coisas que muitas vezes não dá tempo de fazer em casa porque o tempo é curto e a gente tem mais o que fazer.

Quem está fazendo algum curso ou faculdade pode aproveitar para estudar. Acreditem: estudar em pernoite rende muito mais!

Procure relaxar, dormir bem e repor as energias, pois além de ficar lindo(a) e sem olheiras para o voo da volta, você estará mais disposto(a) e revigorado(a) para encarar os "pepinos" que te esperam!


sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Coisas que nos irritam


 É de conhecimento de muita gente que tripulantes reclamam muito. É cultural, faz parte do perfil da profissão. Se você não era muito reclamão antes de começar a voar, vai se tornar. É contagioso. Alguns mais, outros menos, mas reclamar faz parte do contexto.

Isso dá margem a muitos comentários maldosos sobre a classe, alegando que tripulante "chora de barriga cheia", e contribui para alimentar a imagem de antipáticos e arrogantes que o grupo tem perante muita gente.

Essa imagem não condiz com a verdade. A maioria dos tripulantes é composta por pessoas de boa índole, prestativas, generosas,que sabem até rir de si mesmas.
Mas trabalhar com público, ao mesmo tempo que tem seus encantos tem também suas idiossincrasias. Certas atitudes dos passageiros irritam sobremaneira o comissário. Com certeza qualquer profissional que trabalha com público tem sua lista negra de comportamentos irritantes de seus clientes.

Nem vou entrar no mérito do passageiro grosseiro e arrogante, pois esse tipo de gente tira qualquer um do sério.
Relembrando meus tempos a bordo me veio à memória certos comportamentos que pelo que pude constatar não mudam com o passar do tempo e continuam a irritar as novas gerações.

Se você é passageiro, aprenda o que não fazer, mesmo sem querer. Se você é candidato a comissário, prepare-se para o que vai enfrentar. Se você já voa e tiver mais sugestões para a lista, fique à vontade!

O cutucador - Nunca em toda minha vida eu conheci alguém que gostasse de ser cutucado. Aliás nunca conheci ninguém que nem se importasse em ser cutucado. Então por que, oh, Senhor,por que alguns passageiros insistem em cutucar os comissários? Tem boca pra que? Custa chamar: Moça! Aeromoça! Rapaz! Meu camarada! Isso para não dizer um Por favor, porque aí também já é pedir demais!



O navegador- Você está concentrado na função de servir refeições e bebidas, correndo contra o tempo porque a etapa é curta. Aí vem o iluminado com a pergunta: "Onde nós estamos agora?" ou então "Que rio é aquele lá embaixo?" , ou apontando para um monte de mato: "O que é aquilo?"
Como se comissários já soubessem a rota de cór. Todos os rios, todas as montanhas, a exata latitude e longitude do exato momento que nosso passageiro navegador faz a pergunta.
Para a primeira pergunta eu sugiro olhar para ele com cara de total espanto e responder desconfiado: "Estamos dentro de um avião."
Para outras o que não vão faltar são respostas como "É o Rio das Pedras." 
Então se você não quiser ser enganado não faça esse tipo de pergunta a quem não tem condições de responde-las.

O sem-caneta - Esse tipo aparece principalmente em voos internacionais, onde todo mundo sabe que existem formulários que devem ser preenchidos para a entrada no outro país. A criatura vai viajar para o exterior sem uma mísera caneta Bic na bagagem de mão! Então pede a caneta ao comissário, que gentilmente a empresta e quando precisa dela (geralmente com urgência), não a encontra porque o passageiro ficou com ela.
Atenção: Comissários não carregam consigo enquanto executam o serviço nenhuma bolsa repleta de canetas! Geralmente todos tem uma no bolso, pois é essencial. Se tiver outras, estas estarão guardadas em sua bagagem de mão que fica em local distante ou inacessível no momento em que ele precisar da caneta.
Por isso, querido passageiro, ao viajar leve sempre consigo uma caneta. Coloque-a junto do passaporte para não esquecer. E nunca pergunte ao comissário "como é que um comissário de voo internacional não tem uma caneta para emprestar?".  Você pode ouvir como resposta: "Não tenho porque perdi todas emprestando para passageiros de voo internacional."



O ínconveniente - Mais comum de se encontrar em voos mais longos, onde há um intervalo entre dois serviços de bordo, ou entre o final do serviço de bordo e o pouso. Após servir refeições e bebidas a duzentos passageiros, é a vez do comissário tentar consumir algum alimento. Ao contrário do que se pensa, aviões não são parecidos com transatlânticos. Não há áreas reservadas. O espaço é pequeno e a tripulação tem que comer improvisando uma privacidade relativa. O comissário pega sua bandeja e procura algum canto para se sentar. Uma caixa, uma mala, o jump seat. E lá está ele mal acomodado comendo a refeição insossa, quando o passageiro o descobre nesse momento de intimidade e resolve que aquela é a tão esperada hora de "conversar com uma aeromoça".
Ele não percebe que aquele é um momento de paz. Um momento em que o que o comissário mais deseja é ficar calado, consigo mesmo, repondo as energias. E o mala sem alça começa o questionário: "Quantos países você conhece?" "Quantos voos você faz por mês?" "Vocês tem família?" "Você não tem medo?" E por aí vai o interrogatório.
Quando o comissário está disposto a uma conversa, ele mesmo puxa assunto. Se ele está comendo ou responde com monossílabos, pode ter certeza de que você está sendo inconveniente.




O porcalhão - Nada mais desagradável do que você estar manuseando alimentos e aparecer um sem-noção colocando na sua mão um lixo qualquer. Um saco com restos de comida ou com papéis rasgados pedindo para você jogar fora. Justamente na hora em que você está servindo aos demais passageiros e não tem lugar para desovar o lixo. Pior é quando te dão nesse momento fraldas usadas, lenços de papel usados ou (argh!!!) sacos de enjoo usados!



Os pais desencanados - Viajam com os filhos e deixam os pimpolhos circularem livremente pelo avião esbarrando em tudo, tropeçando em tudo e enchendo o saco de todo mundo, enquanto fingem que estão dormindo e esperam que os comissários sirvam de babá para os rebentos.





O carente - A hora do embarque é o momento de maior stress e trabalho para os comissários que devem ficar atentos a qualquer sinal que possa comprometer a segurança e o bom andamento do voo. Além disso é função dos comissários agilizar a acomodação dos passageiros, evitando situações como assentos trocados, bagagens em saídas de emergência, e tudo o mais que possa atrasar a decolagem.  O carente mal pisa no avião e já pede um copo d'água, um remédio para dor de cabeça ou para enjoo. Será que não dá para esperar até que todos estejam acomodados para começar o aluguel?



O habitué - Ele tem cartão fidelidade da empresa, viaja toda semana e se sente dono do avião e dos comissários. Sabe de todas as rotinas, questiona quando alguma coisa sai diferente do habitual. Até aí nada demais. Mas se ele começar a agir como "sinhozinho", é melhor situa-lo no contexto e lembra-lo de que estamos no século 21, que a escravidão já acabou há muito tempo e que o fato dele ser um passageiro frequente pode até lhe dar milhagens, mas não lhe dá o direito de ser arrogante.





Quem tiver mais tipos para acrescentar à lista pode ficar à vontade!





quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Momentos saia justa

A amiga pergunta: -Vamos ao cinema amanhã?
-Amanhã não vai dar. Estou indo voar.
-Vai pra onde?
-Paris.
-Mas você é muito metida mesmo, né? Fica esnobando a gente! Nojenta!
Tipo de situação que eu sempre detestei! Para que pergunta se não quer saber a resposta, cacete! Várias vezes eu pensei em mentir e dizer que ia para Macapá ou coisa que o valha. Mas vai que alguém me achasse metida também... Melhor metida do que mentirosa.

Acordar das profundezas de um sono em um quarto de hotel escuro e não se lembrar de aonde você está. Vários segundos se passam até o cérebro pegar no tranco e colocar os sentidos para funcionar. Olfato, tato, audição. Segundos que parecem horas até você encontrar o interruptor e acender alguma luz.
Bem vindo ao jet lag!

O que fazer quando se está servindo um copo de Coca Cola a um passageiro, o primeiro copo de uma garrafa Pet de dois litro, e a garrafa escapa da sua mão, cai de "bunda" no chão e o líquido explode tal qual champagne em comemoração de vitória da Fórmula Um, dando um banho no passageiro?
Desejar uma despressurização explosiva para mudar o foco do momento? Tentar abrir a porta da aeronave para se jogar de lá de cima? Implorar desculpas?
Optei pela última. E por sorte o passageiro era uma criatura iluminada, dessas que são difíceis de se encontrar e acabou até achando graça da minha cara de desesperada.
Milagres acontecem...