"Pensei que era moleza mas foi pura ilusão
Conhecer o mundo inteiro sem gastar nenhum tostão"
(Melô do Marinheiro - Os Paralamas do Sucesso)
Esse blog é dedicado a todos que voam, que já voaram e que sonham em voar!





sábado, 21 de maio de 2011

O lado bom!

Alguns leitores me questionaram pelo fato de eu só mencionar o lado ruim da profissão de comissário e não falar sobre o lado bom.
Eu priorizei o lado "ruim" por ser o menos divulgado, o que muita gente desconhece.

Mas é óbvio que o lado bom existe, e é muito bom! Tão bom que a profissão vira uma "cachaça".

Começando pelo lado prático, é muito bom trabalhar de uniforme. A gente não tem gastos com "roupas de trabalho", não precisa se preocupar com o que vai vestir hoje, se vai repetir roupa, se uma peça combina com a outra. É só vestir o uniforme e pronto! Gastamos nosso suado dinheirinho só com roupas que nos agradam.

É bom também não ter que sair para trabalhar todo dia. Vai-se uma vez, fica-se alguns dias fora e só depois volta. Não encara hora do rush na maioria das vezes.

Trabalhar em feriados pode não ser bom, mas estar de folga numa quinta feira e poder pegar uma praia sem farofeiros, um cinema  quase vazio ou passear no shopping sem ser atropelado é ótimo!

Agora vamos ao lado massagem no ego. O fato de estar vestido com uniforme de companhia aérea (geralmente são bonitos e elegantes), desfilando nos aeroportos, hotéis, entrando ou saindo de casa com a mala faz com que as pessoas nos olhem com certa deferência, até mesmo com admiração. Isso faz muito bem para o ego! Com a cabeça erguida, o peito inflado e os olhos brilhando, a gente se sente!

Muito bom também é poder ter acesso a coisas exóticas que não se encontram em nossa cidade ou país. Pode ser objetos de decoração ou comestíveis.

Na minha despensa sempre tinha: queijos e manteiga franceses, chocolates com marzipan da Alemanha, conservas de atum, polvo e lula da Espanha, azeite italano, doce de leite argentino e outras guloseimas que não podiam faltar. Sem contar que volta e meia eu me dava ao trabalho de trazer muito bem  malocado escargot congelado com ervas finas e cogumelos frescos de todos os tipos.
Alô, Anvisa!!! Vem me pegar agora! kkkkkk

Na casa de um comissário sempre tem alguma coisa diferente para servir aos amigos. E os amigos ficam mal acostumados: "Ué, o Easy Cheese acabou?"

As comprinhas que o comissário faz podem causar mal entendido nas pessoas mais chegadas:
- Lindas essas taças de vinho! Comprou aonde?
-Em Paris.  
Nojenta...
Juro que não é por mal! É que para quem trabalha viajando já virou rotina chegar de Paris, ou Londres, ou Nova York. A gente muitas vezes se esquece que para a maioria das pessoas ir a Paris é um luxo e acaba sendo mal interpretado. Para nós é uma tremenda saia justa. Se não dizemos nada somos metidos, se dizemos a verdade somos metidos. E aí?

Muitas vezes quando assistimos a um filme reconhecemos lugares por onde passamos rotineiramente. Ruas, praças, prédios, estações de metrô.

Outra coisa que dá muito prazer é poder levar conosco em alguma viagem um familiar. Marido, mulher, filho, pai, mãe, irmão. O orgulho que eles tem de nós é evidente na maneira com que eles se referem a nós para outras pessoas. Presentear as pessoas queridas também é muito bom.

Falando agora no lado psicológico, a profissão de comissário nos dá outra visão de mundo. Nós nos tornamos pessoas mais tolerantes. Aprendemos a respeitar diferenças culturais e a dar valor ao que temos de bom no nosso varonil país, apesar de ficarmos com o olhar mais crítico.  Ficamos com mais traquejo, mais jogo de cintura. Sabemos nos virar em qualquer lugar do mundo. Ficamos mais cosmopolitas. Arrisco-me a dizer que, se não todos pelo menos boa parte, tornam-se pessoas melhores.

terça-feira, 17 de maio de 2011

O outro lado da moeda - Parte II

No outro post sobre o assunto escrevi sobre o desgaste físico da profissão e como isso afeta nosso organismo.
Nesse post falarei sobre os aspectos psicológicos.

Já ouvi diversas vezes de candidatos a comissário que gostariam de seguir a profissão, dentre outras coisas por não ter rotina e não ter horários fixos.
Como assim não ter rotina, cara pálida? Tripulantes tem rotina sim, e rotina bastante pesada! E também tem horários a cumprir, mais até que os "terráqueos". Se alguém chega atrasado no escritório por exemplo, leva uma bronca do chefe, uma gozação dos colegas ou coisas do gênero e fica por isso mesmo.
Se o tripulante se atrasa para o seu voo, fica vendo seu avião decolar com outro colega em seu lugar e perde o dia de trabalho.

Compreendo que o que as pessoas querem dizer com "não tem rotina" é o fato de não ter que chegar todo dia na mesma hora e sair sempre no mesmo horário, e nem trabalhar sempre com as mesmas pessoas.

O que a gente se esquece ou nunca soube é que a famigerada rotina além de nos entediar também serve como um lastro psicológico. A rotina pontua nossa vida, é um ponto de apoio.
O fato de não trabalhar sempre com as mesmas pessoas tem suas vantagens, mas por outro lado dificulta a criação de vínculos afetivos.

Tudo isso somado ao fato de que o tripulante passa grande parte do tempo longe da sua casa, da sua família e seu círculo de amizades, enfim, longe de tudo aquilo que lhe dá segurança, que está familiarizado e se identifica pode trazer consequencias.

Mesmo os que alegam "não se prender a laços familiares" são afetados por isso. Não é à toa que o mês de dezembro é aquele de maior stress entre os tripulantes por causa das programações de Natal e Ano Novo.
Todo mundo fica na maior ansiedade para saber se terá folga para poder confirmar a festa, a ceia, a reunião com os amigos,etc.  E se vão voar ficam na expectativa de para onde será o voo e quem será a tripulação.

Os transtornos mais comuns entre os tripulantes são depressão, síndrome do pânico e alcoolismo. Justamente pelo tipo de rotina disfuncional a que são submetidos e que dificulta a criação de vínculos. Claro que nem todos desenvolvem tais patologias. E mesmo entre aqueles que desenvolvem existem graus diferentes de comprometimento. Outro transtorno que pode ser consequencia dos anteriores é a dependência química de drogas lícitas. Ansiolíticos, antidepressivos e soníferos que o tripulante se utiliza para minimizar os sintomas que o incomodam ou garantir uma melhor qualidade do sono podem causar dependência se não fizer o devido acompanhamento.

Assim como cuidamos da saúde do corpo temos que cuidar também da saúde mental. Ter uma família que nos apoia ajuda bastante, mas nem todos tem essa sorte. Os amigos são a família que nós escolhemos e o apoio deles pode ser fundamental na hora em que o bicho pega.

O mais dificil é assumir que estamos com um problema. Por motivos óbvios como o financeiro ($$$) a gente não pode se dar ao luxo de dar um tempo para tratar o transtorno como se deve, com medicamentos, terapia e afastamento temporário do trabalho. Por isso a maioria empurra com a barriga. Até a hora do "Pára o mundo que eu quero descer!". Ou a hora em que o corpo começa a somatizar uma série de ziquiziras inexplicáveis.  Ou pior, até a hora do surto. (Já tive um colega que saiu pelado pela rua. Em Zurich. No inverno.)

Quando a cabeça não pensa o corpo padece!

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Na boca do sapo

Passei o final de semana sendo informada via Facebook e outros sites de relacionamento sobre uma matéria de um jornalista chamado Eduardo Tessler sobre tripulantes que viajam usando os passes a que tem direito.
A matéria se chama Os caroneiros dos ares e se você quer ver até onde a estupidez humana pode ir, essa é uma boa leitura.

Já entrando no mérito da questão, eu já vi esse filme algumas vezes. Infelizmente pouca coisa me surpreende. O que me deixa desanimada é constatar que esse tipo de mentalidade tacanha ainda perdura nos dias de hoje, com todo o acesso que temos a informações, num simples clique do mouse.

Não me surpreende que no Brasil, país de cultura escravagista, existam pessoas que vejam tripulantes ou qualquer outro profissional que lhes sirvam como simples "empregadinhos", e se sintam afrontadas ao ve-los ocupando assentos de passageiros como se fossem iguais a eles. Mas eu pensava que as novas gerações já tinham outra mentalidade. Lêdo engano!

Como esse blog também tem função educativa, vale esclarecer aqui que os "caroneiros" como foram pejorativamente chamados, são aqueles que se utilizam do Passe de Tripulante. O passe existe desde os primórdios da aviação civil, e ao contrário do que muita gente pensa não é "benefício" nem "concessão" da empresa. Ele é um direito adquirido na Convenção Coletiva de Trabalho (Item 65) e está assegurado nos Regulamentos da Profissão de Aeronauta (lei 7183/1984). O passe é diferente das concessões de passagens que as empresas aéreas dão a funcionários e seus familiares. Somente tripulantes podem usar o passe, e regras devem ser observadas. Só embarcam se houver assentos disponíveis e só depois que todos os passageiros estiverem acomodados. A hierarquia é o critério utilizado caso haja mais tripulantes do que assentos disponíveis.

Como atualmente a única base de tripulantes é em São Paulo, apesar do Brasil ser um país de dimensões continentais, muitos tripulantes que moram em outro estado se utilizam do passe para assumir programações ou retornar para casa após a jornada de trabalho.

Fazendo uma análise profissional da matéria, percebo no jornalista um certo despeito. Não vou cair no lugar comum de achar que é despeito da "profissão glamourosa de comissário, que pode viajar, conhecer outros países e ter contato com outras culturas". Seria por demais simplista.
Falo de despeito puro e simples. Inveja do ser humano, não da profissão que ele exerce.

Esse sentimento fica patente quando ele se refere ao copiloto gordo e risonho. Mesmo sendo gordo ele ainda sorri! Olha que afronta!

Quando ele cita os "amigos do comissário" cai em contradição. Primeiro fala do "discreto contato do comissário de vez em quando". Em seguida afirma que passou "12 horas escutando conversa de bêbado".
Ora bolas, decida-se! O contato é discreto e de vez em quando ou é constante e inconveniente?

Como comissária que fui e sempre serei, prezo muito a segurança. Por isso sinto-me na obrigação de recomendar fortemente ao Sr. Tessler que evite utilizar aeronaves brasileiras (talvez seja melhor incluir as estrangeiras também) pelos próximos seis meses pelo menos. Para sua própria segurança e a dos demais passageiros que estarão no mesmo voo. Calculo que esse seja o tempo mínimo necessário para a poeira baixar e o assunto sair de pauta, embora não totalmente esquecido.
Os romanos já sabiam há séculos que não se deve destratar aqueles que te servem comida e bebida. Sábios os romanos.

Se tiver sorte, logo aparecerá outro da mesma etirpe para atrair a atenção e a ira dos aeronautas e o Sr. Eduardo será relegado a segundo plano, pois gente com mentalidade estreita e preconceituosa é que nem praga, dá em todo lugar.
No futuro, se o Sr. Tessler for vítima constante de líquidos entornados acidentalmente em sua pessoa deve considerar a hipótese do fato não ser assim tããão acidental.

Mas como tudo tem seu lado positivo, o jornalista conseguiu a façanha de provocar uma das maiores mobilizações da classe que eu já vi. Talvez porque ele não se referiu somente a comissários ou somente a pilotos (o que já causaria um grande estrago), ou só a tripulantes da Empresa X ou da Empresa Y.
Ele mexeu com toda a categoria. Mexeu num vespeiro.

Ah, e só para terminar. Meu caro e desinformado jornalista: O avião já perdeu o glamour há muito tempo! Hoje é transporte de massa, de povão mesmo. Bons tempos aqueles em que os passageiros tinham mais educação, e não se sentiam afrontados em dividir uma filera de assentos com um tripulante. Hoje qualquer um pode viajar. Até um póóóbre feito você!

domingo, 8 de maio de 2011

Algumas perguntas cretinas e outras nem tanto

Sempre achei estranho as perguntas que algumas pessoas me faziam acerca da profissão de comissário. Mais estranho ainda é que tais perguntas vinham de gente de todos os níveis culturais e sociais. Até de quem já tinha viajado de avião.
Talvez porque a profissão tenha uma aura de mistério. O que há por trás daquele(a) profissional que está sempre exibindo um ar blasè, como se fosse a coisa mais normal do mundo cruzar o oceano várias vezes por mês? Como será a vida deles? Eles vão ao banheiro? Fazem supermercado?

Vou fazer aqui uma lista das perguntas mais comuns:

P. Comissários comem quando estão a bordo?
R. Sim. Apesar de às vezes o tempo ser curto e a comida ter que ser engolida às pressas, o velho ditado que diz que "saco vazio não para em pé" vale para eles também.

P. Mas eles só comem quando sobra comida de passageiro?
R. Não. Pela regulamentação da profissão de aeronauta é obrigatório o embarque de refeições quentes para todos os tripulantes em intervalos de quatro horas e/ou quando estão trabalhando em horário de almoço, jantar, café da manhã e ceia. Mesmo que o serviço de bordo oferecido aos passageiros seja um sanduíche muquirana. Isso dá margem a comentários maldosos de passageiros que acabaram de jantar o tal sanduíche muquirana e se deparam com o comissário comendo seu jantar quentinho no canto da galley:
"Ah, pra vocês tem comida, né? Pra nós é aquela porcaria!"
Para tais situações recomenda-se fazer cara de paisagem e dar um sorriso cortês. Nada mais que isso.

P. Comissários também precisam sentar e afivelar o cinto em turbulências? E em pousos e decolagens?
R. Ao contrário do que possa parecer, comissários são feitos de carne e osso como qualquer mortal. E o longo treinamento a que são submetidos não inclui cursos de malabarismo, acrobacia e de como se segurar quando se está em queda livre. Então o aviso de atar cintos servem também para eles.

P. Comissários tem banheiro exclusivo a bordo?
R. Quem dera! Usam o mesmo banheiro dos passageiros.

 P. Comissários podem ter família?
R. Sim. No tempo das aeromoças a mulher que se casava era desligada da empresa. Hoje homens e mulheres se casam e tem filhos. A profissão não é impedimento para ter uma família feliz e estruturada. Inclusive filhos de comissários tem muito orgulho disso, além de tirar a maior onda com os amigos por causa dos presentes exóticos que os pais trazem para ele, e pelas viagens que eles tem chance de fazer.

P. Qual a diferença entre comissária e aeromoça?
R. Para maior entendimento sugiro a leitura do post Desconstruindo a Aeromoça .

P. O que os comissários ficam fazendo quando não estão no corredor atendendo aos passageiros?
R. Podem ser várias coisas. Podem estar tentando comer, tentando ir ao banheiro (porque às vezes nem isso é possível), arrumando a galley para o pouso pois não pode tem nenhum objeto solto, servindo comida ao comandante e ao copiloto (sim, eles também comem!). Também podem estar conversando, comentando do voo, fofocando e falando mal de algum passageiro.

P. Comissárias podem voar quando estão grávidas?
R. Não. Assim que a gravidez é detectada a comissária deve comunicar à empresa e sair de escala. A gravidez em si não é o problema e sim o tipo de trabalho, que exige bastante esforço físico. Até o oitavo mês a comissária recebe da empresa o salário maternidade que consiste do salário em carteira, sem as horas de voo. No oitavo mês entra de licença maternidade do INSS como todas as mulheres que trabalham sob o regime de CLT. Na prática ela fica cerca de um ano afastada.

P. A comissária que entra de licença maternidade pode ficar "mal vista" pela empresa?
R. Não. A não ser que ela resolva ter um filho por ano. Aí a produtividade é zero, né!
Tive colegas com três ou quatro filhos que exerciam muito bem sua profissão.

P. Comissários podem levar parentes consigo quando estão trabalhando?
R. Sim. Desde que eles se comportem com a devida discrição para não queimar o filme.

Se alguém já ouviu outras perguntas sem noção e quiser postar aqui, be my guest!

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Tudo na vida é passageiro

Menos o motorista, o cobrador e o comissário. 

O passageiro é sempre passageiro. Tem aqueles que acumulam horas e horas de voo, tem os que só viajam nas férias e tem aqueles de primeira viagem. Mas o passageiro nunca será fixo, será sempre passageiro.

Tem aqueles que vão à Disney levando a família. Tem os que vão a Buenos Aires aproveitando o câmbio favorável que inundou a Argentina de brasileiros eufóricos, tem os que vivem na Ponte Aérea a negócios. Tem os sacoleiros que vão a New York renovar o estoque de muamba, e se acham de uma melhor estirpe, afinal não são sacoleiros do Paraguai!
Tem os que aproveitam as promoções do Decolar.com, ou outro site e vão para o Nordeste.
Tem ainda os da classe média emergente que vão a Paris porque acham que ir para a Europa é muito phyno. Enfim, tem de um tudo!
Todos juntos formam uma massa sem rosto.

Passageiros sempre estão ansiosos para embarcar. Fazem fila uma hora antes da chamada do voo, mesmo já tendo os assentos marcados.
Na hora do embarque, os mais afoitos saem esbarrando e atropelando os outros. Parece que estão numa mega-liquidação da Ricardo Eletro. Os mais zen criam raízes no meio do corredor estreito enquanto acomodam pachorrentamente sua bagagem, provocando a ira dos afoitos acima citados.

Brigam para sentar na janelinha, mesmo se o voo é noturno e não dá para ver nada. Os que conseguem, passam o tempo todo se levantando para ia ao banheiro, passando por cima das pernas dos outros.
Se acham super malandros quando afanam talheres, xícaras, travesseiros, fones de ouvido. São como se fossem troféus de guerra.

Os que já viajaram mais de uma vez fazem questão de explicitar isso logo no primeiro momento da conversa: "Da última vez que nós fomos a Paris..." que é para deixar BEM CLARO que houveram outras vezes!
Ou então mostram grande familiaridade com os aeroportos por onde passaram: "...o aeroporto de Milão é muito desorganizado!" ou "...tivemos que ficar quatro horas no aeroporto de Frankfurt por causa da nevasca..."

Os de primeira viagem tentam não dar bandeira. Ficam quietos ou fazem piadinhas sem graça do tipo: "Hehe...Esse avião está sacudindo tanto que mais parece que está numa estrada esburacada!"

O passageiro típico sempre quer a comida que acabou, ou a bebida que não tem: "Tem suco de laranja, de uva e de maçã, mas não tem suco de tamarindo? Que absurdo!"

Os que retornam de Miami tem certa dificuldade em entender o português. Afinal foram sete longos dias numa cidade onde não se vê nenhum cubano, portorriquenho e muito menos brasileiros!
E voltam mortos de saudades do Guaraná. Mesmo que nunca antes tenham dado qualquer valor a essa deliciosa bebida tupiniquin. Mas eles tem que mostrar que são viajados, cosmopolitas e experientes.

Os que voltam da Bahia trazem como troféu o indefectível berimbau, e querem a todo custo acomoda-lo aonde não tem mais espaço nem para uma gaita.

Para botar ordem nessa Babel de asas, foi preciso encontrar um profissional que pudesse controlar as coisas com muito otimismo, paciência e coragem. Alguém que ainda acreditasse que a espécie humana tem salvação.
E assim surgiu o comissário!

terça-feira, 3 de maio de 2011

O outro lado da moeda

Tudo na vida tem o lado bom e o lado ruim. A profissão de comissário de voo não é diferente. Trabalhar num ambiente insalubre tem seu preço, e quem paga o preço é o nosso corpo e a nossa mente.
Quem quiser ter uma carreira longa e saudável deve tomar certos cuidados, pois como diz o velho ditado: "Quando a cabeça não pensa o corpo padece." E bota padecimento nisso!

Todo comissário ganha peso no início da carreira. Fato. A não ser aqueles abençoados por Deus com um metabolismo acelerado, que podem comer e beber de tudo sem ganhar um grama sequer. (Pausa para invejinha...).
Essa é uma das razões do porque as companhias aéreas exigem que os candidatos tenham peso proporcional à altura. Ninguém quer correr o risco de ter um comissário transformado em rolha de poço em curto espaço de tempo.

O crescimento lateral se deve a uma combinação de fatores. Quando está a bordo, o comissário nunca tem tempo para sentar e degustar uma refeição decentemente. O ritmo de trabalho é acelerado. As etapas são curtas, às vezes mal dá tempo de ir ao banheiro. Por isso muitas vezes acaba-se cedendo à tentação dos sanduiches, doces, biscoitos e outras porcarias de consumo rápido. Come-se em pé na galley, ou sentado no jump seat, o banquinho usado para pouso e decolagem dos comissários. A comida é literalmente engolida.

Quando está pernoitando, o comissário procura lugares mais em conta para comer e fazer a diária de alimentação render. Refeições mais baratas muitas vezes significam refeições mais calóricas. Frituras, carboidratos.

Soma-se a isso o fato de que nem sempre se consegue almoçar na hora do almoço ou jantar na hora da "janta". Os horários de trabalho são pouco convencionais, ou nada convencionais. Chegar de um voo tarde da noite ou varar a madrugada trabalhando fazem parte do cotidiano. O jantar por exemplo pode acontecer às duas da manhã, o corpo já cansado, o estômago reclamando.

Os horários nada convencionais de trabalho também fazem nosso metabolismo se ressentir. Fusos horários diferentes então, nem se fala! O sono fica comprometido. Ou você não consegue dormir, ou a qualidade do sono é ruim. A gente se sente um zumbi. O raciocínio e os reflexos ficam alterados. É o jet lag. Quem acha que com o tempo a gente se acostuma com isso está redondamente enganado. Não há como se acostumar. Pode-se tentar minimizar tentando não sair do nosso fuso horário, mas é muito dificil.

Trabalhar em ambiente seco e pressurizado traz outros tipos de problemas. A pressurização potencializa os efeitos no nosso organismo. Uma dose de whisky consumida a bordo equivale a três doses em terra firme. Por isso não é raro passageiros pagarem mico depois de duas ou três doses.
Se fosse só isso, tudo bem, mas as dores também são potencializadas. Dores de cabeça e de dente doem mais a bordo. Cólicas menstruais também.

A retenção de líquidos é outro problema. As pernas e os pés incham. A barriga incha. Por isso é recomendável aos comissários evitar o consumo a bordo de bebidas gasosas ou fermentadas, como refrigerantes e sucos industrializados. Deve-se beber muita água, muita água mesmo! Quanto mais melhor. Chá verde ou de camomila também são benéficos ao organismo. Café e chá preto só em quantidades moderadas, pois o excesso de cafeína pode causar dores de cabeça.

Como o ambiente é seco, é recomendável usar sempre um hidratante no rosto, principalmente para quem tem pele seca. Isso vale para homens e mulheres! A não ser que você queira virar um maracujá de gaveta antes do tempo.

No próximo post sobre o assunto falarei sobre os aspectos psicológicos do outro lado da moeda. Aguardem!

domingo, 1 de maio de 2011

Comissários: Modus Operandi - Parte II

O hotel é a segunda casa do tripulante. De um modo geral os hotéis são sempre os mesmos em cada cidade, salvo se a companhia aérea rescindir o contrato. Por isso o tripulante já conhece suas dependências, as facilidades que o hotel oferece, o café da manhã.

O salão onde o café da manhã é servido é um ponto de encontro da galera voadora. Marca-se encontro lá para depois sair, ou apenas conversar. As mesas onde se sentam os tripulantes são facilmente reconhecidas porque sempre cabe mais um. Geralmente os breakfasts são demorados. Aproveita-se para comentar do voo, da escala, saber das últimas e armazenar comida no bucho para não precisar almoçar.
O estilo camelo de se alimentar também é parte do modus operandi dos comissários. Assim não se gasta a diária de almoço. É mais uma merrequinha em caixa.

A piscina do hotel também é um dos lugares favoritos dos voadores quando em terra firme. Nem todo mundo gosta de malhar, mas quase todo mundo curte pegar um solzinho enquanto joga conversa fora.
Identificar um grupo de tripulantes na piscina é fácil. Para começar, eles sempre andam em grupo. Falam alto, usando jargões da aviação, parece um dialeto. Movimentam-se com a desenvoltura de quem já é habituè. Não raro chamam garçons e outros funcionários pelo nome.

O hall do hotel é um ótimo ponto de encontro para reunir a galera e sair para jantar, ou para outro programa. É adequado também na volta do jantar ou de outro programa para esticar um pouco mais o papo, antes de subir cada um para o seu quarto.

O quarto do hotel também serve para reuniões e happy hours. Cabe ressaltar aqui que aquele que cede o quarto para tais eventos deve ficar atento e moderar a exuberância verbal dos colegas, principalmente se estiverem em estado etílico. Porque se baterem na porta para reclamar do barulho, é o ocupante do quarto quem terá que passar óleo de peroba na cara e atender ao reclamante.

Serviços de bordo de antigamente

Era uma vez um tempo onde viajar de avião, além de ser um modo de se locomover também era um programa gastronômico.
Onde voos sem serviço de bordo, ou com serviço de bordo miserê era coisa "de companhia aérea estrangeira", porque brasileiro é um povo que gosta de fartura.

O serviço de Primeira Classe era um luxo só!

Lagosta, caviar, cesta de frutas etc. Era chiquerérrimo para quem viajava, mas também era chiquerérrimo para quem servia. Tudo era chiquerérrimo, até a apresentação das refeições:
Uma das sobremesas da First Class

E não era só na First Class! A Business e a econômica também eram chiquerérrimas!



Bandeja de café da manhã Business Class



 Dá para entender porque as pessoas marcavam voos na hora do almoço. Voar também era um programa gastronômico!


Quando o tempo das vacas magras chegou e as refeições fartas e requintadas foram substituídas por um sanduíche mixuruca nos voos domésticos, os clientes chiaram muito!

Outros tempos... Comissários ralavam muito para fazer esse serviço requintado em curto espaço de tempo. E ainda tinha gente que reclamava!
Hoje todo mundo come barrinha de cereal ou biscoito velho e acha muito bom!